domingo, 27 de dezembro de 2015

O Homem Puta

Domingo é um dia estranho. Talvez por isso ele não gostasse muito de beber aos domingos. Mas nesse dia ele bebeu. Misturou os mais variados assuntos, como é de praxe em mesas de bar, com as limitadas opções de álcool disponíveis na barraca de chapa na esquina do seu modesto apartamento. A vitória do seu time sobre o tradicional rival deve ter colaborado para a sensação de grandeza que o tomou. A vizinha gostosa que teimava em passar pela barraca usando um curto short serviu de ogiva para narrações épicas de proezas sexuais. Mas, como tudo tem um fim, é chegada a hora de voltar às quatro paredes que o limitavam, as paredes de um mundo aparentemente feliz, pelo menos até então...
Tinha uma filha de 10 anos e uma esposa. Não uma mulher. Havia esquecido a prova de matemática que sua filha teria na segunda e do compromisso de ensinar-lhe os fundamentos da matéria. Seu apartamento, apesar de pequeno, era o seu lar. Dava a sensação de dever cumprido. Mas naquele dia, quando girou a chave, teve a estranha certeza de que seria diferente. 
Ao abrir a porta, seus ouvidos foram tomados pela voz desesperadamente feliz do apresentador de TV. No fogão, seu feijão parecia cinza. Sua Coca-Cola estava sem gás. Enquanto engolia, notava traços de sua mulher enquanto ela ria com os vídeos de pessoas comuns caindo, escorregando, desmanchando-se. Engoliu.
Sua filha tentava concentrar-se no caderno sobre a mesa. Engoliu. Era domingo e domingo é um dia estranho. Chamou sua filha ao quarto, precisava orientar-lhe. Matemática é matemática e era avaliação importante.  O volume da TV ainda incomodava, foi então que, já revoltado com a indiferença e tomado pela coragem que só o álcool lhe proporcionava, mandou que a mulher diminuísse ou desligasse a caixa de discórdia.
Ela morena jambo, ele ruivo. Não sei porque, mas acho esses detalhes importantes. Ele não esperava a sua reação. “Desligar?!”.  Foi então que ela pronunciou a frase senha: “Você é um homem put@!”.
Nesse momento, tudo o que viu foi o breu diante dos seus olhos. O Irracional tomou-lhe o ser. Seguiu em direção à TV de 14’ arrancou-lhe da estante e, sem pensar, jogo-a no sofá. Não contava que dada à proximidade da janela, o sofá serviria de catapulta. Sua TV, a única da casa, foi então lançada aos ares indo parar na rua, três andares abaixo. Sem ligar para o ocorrido, continuou com o seu momento de fúria e chutou o velho computador, quebrou a estante, cuspiu no chão. Encheu mais um copo com Coca-Cola sem gás e bebeu. Era o homem put@. 

Por Marcelo Letal

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